segunda-feira, 13 de julho de 2009

O Quarteirão




No meio do caminho, tinha uma pedra.
Tinha uma pedra no meio do caminho. 
 - Carlos Drummond de Andrade



Ele era um pão: casca e miolo, para os outros, muito mais casca do que miolo. Não arriscava falar muito, ou quase nada, se abria a boca, cuidava para não deixar escapar algo que pudesse ser levado mais a sério do que uma piada. Ele era de muitos amigos, de muitas festas, de muita solidão. Sempre acompanhado, andava muito sozinho. Ele queria encontrar alguém para dividir a cama, como faziam os amigos, mas precisava mesmo de alguém para dividir os sonhos.

Ela era uma bala cítrica: levemente ácida. Se tivesse a oportunidade, era capaz de, com palavras suaves, podar qualquer um, sem quebrar, sem machucar. Com perguntas, era capaz de desfazer nós, abrir cabeças. Ela era de poucos amigos, o suficiente, jamais sentia solidão. Procurava, mesmo assim, alguém para dividir o guarda-chuva, abraçada, quando o mundo parecesse desabar.

Eles caminhavam pelas calçadas opostas do mesmo quarteirão. Era inverno – o dia cinza, o vento cortante. Ela vestia um blusão vermelho e uma bolsa de couro, ele um casaco preto e uma touca. Ela passou pela livraria, pelo restaurante, ele, pela farmácia, pelo prédio antigo da esquina. Começou a chover. Ela parou para abrir o guarda-chuva. Ele seguiu andando. Molhado, a viu pela primeira vez. Ela não conseguia abrir o guarda-chuva. Ele decidiu se aproximar, tremia, hesitante - nunca havia feito algo assim antes.

Ele roubou a bolsa, saiu correndo. Ela pasma, ficou parada, sem ação, sem palavras, sem a bolsa, apenas com o guarda-chuva. Ele, em outras circunstâncias, poderia ter lhe roubado o coração, mas ali estava a serviço do seu novo amor: pedras brancas.

Meses depois, no mesmo quarteirão, levou uma facada fatal, dilacerado, morreu por uma pedra - a pedra branca da qual não conseguia viver sem. Amor trágico, não correspondido. Era apenas mais um.

5 comentários:

  1. Cada vez que eu leio esse conto parece que é a primeira... superlativíííssssimamente lindo!!!

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  2. já disse pessoalmente, mas quero registrar no blog também: MARAVILHOSO! esse anti-clímax faz\ todo o sentido. parabéns e continue assim!

    Cris

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