quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Veias e artérias


Somos dotados de veias e artérias, que conduzem o sangue pelo corpo. E a veia poética, como funciona? Quem tem? Há quem não tenha? E artérias poéticas?

Veias: trazem o sangue para o coração. E o que  traz poesia para nosso interior? Palavras, artes, músicas, rios, flores, relacionamentos, gestos, histórias, devocionais, meditações, danças, corais?

Artérias: levam o sangue do coração. E o que transporta a poesia dos nossos átrios? Uma conversa, um sorriso, uma orquestra, uma carta, uma lágrima, um jardim, um arranjo, uma canção, um abraço, um beijo, um texto, uma fotografia, uma pincelada, um traço, um filme, uma modelagem de barro, um passo de dança, um prato, um dedilhado, uma palavra, um piscar de olhos?
           
        Veias e artérias transportam o que somos, o que fomos, o que podemos vir a ser: circulação poética e vital.



Deus assim procedeu para que a humanidade o buscasse e provavelmente, como que tateando, o pudesse encontrar, ainda que, de fato, não esteja distante de cada um de nós: ‘Pois nele vivemos, nos movimentamos e existimos’, como declararam alguns de vossos poetas: ‘Porquanto dele também somos descendentes’.


Atos 17: 27 a 28

segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Águas


“E a minha poesia é natural e simples como a água bebida na concha da mão.”
- Mário Quintana
                     
                                          
Água mineral. Água das profundezas. Água repleta de bens invisíveis, essenciais: sais minerais. Água que sacia a sede e equilibra.

Água doce. Água suave, delicada, borbulha festiva nos rios, altiva nas cachoeiras, serena nas lagoas, povoada de vida. Água que nos banha, nos purifica, nos rega.

Água termal. Água que nos acolhe e nos aquece. Água calorosa, aconchegante e medicinal. Água que dissolve nossas tensões e dores. Água que abraça e alivia.

Água marinha. Água que nos desafia a mergulhar, nadar, velejar. Água que nos descansa e nos tempera. Água que tem seus altos e baixos, avanços e recuos. Água de oceano, de longas distâncias, de contornos continentais. Água marinha atravessa horizontes e nos convida para travessias.


Águas, pessoas, encontros, dentre tantas formas, sempre em vias de transformação.




segunda-feira, 26 de outubro de 2015

A graça dos esportes


A graça dos esportes, para mim, está no esporte simples, sem pompa, sincero, sensato, livre de investimentos milionários e obtusos, longe da disputa desenfreada, dos insultos entre competidores e torcidas. A graça dos esportes está para além de ganhar ou perder: na força e na leveza.

Força. A força no aperto de mão no início e no fim da partida. A força para se erguer, para se carregar pelos remos, pelas rodas, pelas varas; para se colocar no vento, na onda, na bola; para aceitar ajuda e se segurar na mão estendida. Força para erguer o companheiro em um salto, levantar a bola para o outro em uma jogada. Também força para lutar contra o próprio  ego e passar a bola no campo e fora dele, para escolas, hospitais, abrigos. Força para avançar e alavancar o peso dos fracassos e das dores. Força quando o foco vai além dos próprios músculos é mais forte, é solidária, gera movimento - aí tem graça.

Leveza. A leveza no ar que se inspira e expira. Leveza de saltar, de confiar, de se desprender do chão, rumo à água, à cesta, ao outro,  ultrapassando a barra, no ritmo do corpo e da canção, em sincronia, na dança, no nado, no estudo e no trabalho, no descanso também. A leveza sustentada pela prática e pelo equilíbrio de quem ensaia e se solta. A leveza de se surpreender no brilho do inesperado. A leveza de fruir, de ser, estar e agradecer; a leveza de presença é linda, cheia de graça.

A força de recomeçar.

E a leveza de celebrar.

terça-feira, 15 de setembro de 2015

Aravis

   
Sei que essa história vai muito além de mim, nem por isso deixo de palavrear, porque acredito que fui criada para contar com o Autor.  Talvez tenha fugido da Calormânia. Talvez tenha sido resgatada.

Aslam chamava para a vida em Nárnia. Foi Ele quem me conduziu para o cavalo e seu menino. Apressou a cavalgada, enquanto que do alto da minha muralha eu lançava olhares e palavras rudes para o menino – Shasta ou Cor, companheiro persistente em fidelidade Real, mesmo sem saber, ocupando-se em nos salvar.

Feito dragão, fui transformada em camadas pelo Leão. Mais tarde, no frescor da terra de Nárnia, como o sol perpassa as árvores, pelas frestas, entre folhas, surgiu aquele brilho no olhar de Cor. E nos vimos um no outro: um.

Por entre o pó da terra de Aslam, continuamos a cavalgar, discutir rotas e crescer juntos. Nossa aventura é não reinarmos sós, é sermos dEle reino.


* Inspirado nas Crônicas de Nárnia, mais algumas palavras para a personagem Aravis. 

domingo, 30 de agosto de 2015

Laços invisíveis


Os rostos se aproximam, abrem-se em sorrisos, em um disparo de flash, lá está a foto de família. E como descrevem os versos de Leoni, “o que vai ficar na fotografia, são os laços invisíveis que havia”. Triste quando as pessoas se aproximam apenas para a fotografia, quando família pode ser mais que vínculo de imagem, de sangue, de genes ou de pura tradição: pode formar laços invisíveis nas minúcias do dia a dia, em grande parte, quando ninguém está vendo. É uma estrutura tão complexa que pode ser capaz de formar algo tão firme e, ao mesmo tempo, tão flexível.

Firme. Baseada em princípios, uma família é firme ao dizer sim e também ao dizer não, formando um porto seguro, em que seus membros não são estáticos, ancorados, mas juntos formam um partir e chegar, compartilhando descobertas. E, por mais que naveguem por mares distantes, permanecem enraizados no que há de eterno e bom, e não necessariamente os prende ao chão.

Flexível. Isso para que os braços consigam se esticar em um abraço, em um gesto sincero de amor, sem aquela rigidez seca que se desfaz em pedaços nos primeiros obstáculos. Flexível para aceitar cada um como realmente é, tornando possível conhecerem-se de verdade.

“Saber amar, saber deixar alguém te amar”, Herbert Viana cantou o que é importante aprender a cada momento, sendo que a família é a melhor escola, em que chegamos completamente dependentes, chorando, necessitados de atenção e carinho. Quando crescemos, podemos escolher entre trilhar um caminho em busca da independência de tudo e de todos, ou de interdependência, cientes de que ainda necessitamos de atenção e carinho, mas não somos os únicos e, sabendo disso, há muito para se fazer.  


                                                                          
sois da família de Deus”  Ef.2:19




* Outro texto que escrevi no Ensino Médio. Transbordando lembranças aqui.





quinta-feira, 20 de agosto de 2015

Toda ouvidos


Fecho os olhos e sou toda ouvidos 
para o pulsar dos corações em um abraço demorado.

Fecho os olhos e sou toda ouvidos 
para uma história envolvente.

Fecho os olhos e sou toda ouvidos 
para um riso solto, bem sonoro.

Fecho os olhos e sou toda ouvidos
para uma boa música:
melodia, ritmo, timbre, letra e voz.

Fecho os olhos e sou toda ouvidos 
em um beijo suave.

Fecho os olhos e sou toda ouvidos
para a beleza da Palavra.

Fecho os olhos e sou toda ouvidos 
para o movimento do vento 
e da água da chuva, do rio, cachoeira, oceano, lágrima.

Fecho os olhos em oração, 
deságuo angústias, sonhos, tormentos, alegrias 
e procuro ser toda ouvidos para Ele sempre.



terça-feira, 11 de agosto de 2015

Árvores


Quando criança, depois da aula, esperava meus pais virem me buscar na escola. Nessa espera, crescia em árvores. Contemplava árvores. Subia em árvores. Nomeava árvores. Sim, nomeava as árvores com as quais compartilhava dessa espera.

Árvore dos Sonhos. Era um plátano grande, de troncos espessos, que sustentavam uma ponte. Lugar de travessia, de olhar para o alto e ver folhas verdes, depois amarelas, laranjas,  marrons, leves, caindo, pairando pelo ar, como sonhos que se vão, ao vento, depois galhos secos, e, então, tudo outra vez,  novinhas em folha: verdes.

Árvore da Esperança. Essa não era tão grande, mas perene, sempre verde. Não era fácil de subir, mas era acolhedora para ficar lá, sentada, ou então subir até o topo e vê-la de folhas para baixo, também olhar para o horizonte, para além do pátio da escola.

Continuo, ao longo da vida, à espera do Pai. E essa espera pode acabar em um instante, mas pode demorar um pouco mais; porém, não precisa ser entediante, pode ser repleta de aventuras, de histórias, de árvores, de nomes, de Sonhos, de Esperança.

quinta-feira, 6 de agosto de 2015

Jardins

    
    Nas dimensões da infância, a escola, as praças, as árvores, os professores, é tudo imenso. A vida parece não ter fim e, ao mesmo tempo, cabe inteira num instante: toda alegria explode num riso sincero, a birra num beiço que também não o deixa de ser. Os instantes passam e desfazem o momento, das migalhas forma-se a memória, do que cristaliza, doces recordações.
    
    Os corredores da escola já não são tão grandes, preenchidos por lembranças, momentos vividos, o que faz com que os mesmos olhos vejam de um outro modo. Os professores que por ali passam entram nas salas com a tarefa de ensinar e para isso não se desfazem do que verdadeiramente são. O conteúdo vem acompanhado por um jeito único de falar, rir, gesticular, ficar furioso. Sem demora, surgem as imitações, os risos. Crescemos, formamos opiniões, sentimo-nos grandes o suficiente para chacotear, porém não deixamos de ser crianças que gostam de imitar.

    Ao sair da escola, irrompendo em alegria, levaremos conosco não só um papel com a aprovação, mas também pedaços de profissionais que se doam – professores – semeando sonhos. E a nossa mente é, sem dúvida, terreno fértil, criando monstros, bobeiras, planos, além de minhocas e brincadeiras na cabeça.

    Quando entrei no jardim, encontrei uma professora acolhedora e amizades das quais usufruo até hoje. Lembro, também, de cuidarmos de uma lagarta e a vermos transformar-se em borboleta – incrível! – o que faz de mim apreciadora de jardins, de natureza em transformação.

    Ana Cristina apresentou-nos às letras com um Batalhão de Mário Quintana, deixando-me o gosto não só pela escrita, como pela poesia da vida em si. Mais tarde, viria a Roselaine colando estrelinhas por dedicação, a Sofia e a Aletéia com História e Música, e tantos outros com suas preciosas sementes. No Ensino Médio, o Elemar, professor de matemática, proclama “quem escolhe deixa!”, talvez a parte mais difícil em decidir – deixar para trás – mas imprescindível para seguir em frente; o que vimos nas lágrimas da Noeli ao ser escolhida paraninfa, em sua despedida, dissolvida no amor pelo que faz.



    E, por fim, a Lu com seus atenciosos rodapés, os quais guardo com carinho. Quem sabe um dia, de tantas sementes, letras, poesia, brote um livro em minhas gavetas, aquelas que organizam o pensamento em minha cabeça? Talvez. 



* Outro texto do Ensino Médio.

quarta-feira, 29 de julho de 2015

À Procura das Borboletas



Ver, Sentir e Aprender. Esse era o título do primeiro- e único- livro que escrevi e editei, tudo em uma tarde que passei na empresa dos meus pais, quando criança. Há tempo queria escrever, aos seis anos reclamava por ainda não o saber. Queria ler livros, escrever diários. Talvez, porque me sentia de fora do, até então, código secreto das letras. Também almejava decifrar pessoas, sentimentos, histórias enletradas por aí.


Ver. Quando bebê, os meus olhos arregalados despertavam comentários do tipo “parece que ela quer ver além do possível”. De fato, sou observadora, investigativa e continuo gostando de desvendar mistérios, apesar de não mais subir em árvores para brincar de detetive.


Sentir. Da lista de nomes que minha mãe fizera, foi meu irmão quem escolheu, anunciando para quem chegava ao hospital: Simone. Mais tarde, descobri que o significado desse nome é a que escuta. Muito antes, porém, sabia o quão bom é ouvir, o que não deixa de ser sentir, ser tocado pelas vibrações que chegam ao ouvido. Ouvir músicas, histórias, conselhos, risadas, pássaros, cachoeiras e escutar com a alma é maravilhoso. Na hora de decidir a profissão a seguir, ouvir o coração não é o suficiente, além de nem sempre ser fácil, pois dentro de nós existem gemidos inexprimíveis que somente o Autor da existência é capaz de compreender. Tão bom saber que Ele conduz a sinfonia.


Aprender. Por vezes, pode ser tão difícil, pois não existem apenas números complexos e, sim, muitos conteúdos que exigem dedicação. Apesar de difícil, assim como crescer, é muito bom aprender. Posso afirmar, com certeza, que tive ótimos mestres, lições inesquecíveis. Jesus, o amor incondicional; pastor Rudi, desprender-se da vida com coragem, persistindo no amor, modelado como barro nas mãos do Criador; pediatra Silvana e professora Ana Cristina, cuidado, carinho e atenção, amor pelo que se faz e por quem se trata; meus avós, casamento que resiste ao tempo, amar e envelhecer juntos; família e amigos, amor fraterno, abraços, laços invisíveis.


Enfim, a decisão. Embora eu quisesse concluir esse texto com uma decisão, ainda procuro, espero, respostas. Sempre gostei de brincar de super-herói, de aventura, de sonhar, no entanto, sei que não posso, nem devo, fazer tudo que tenho vontade. Existe alguma coisa especial para eu fazer, assim como para cada pessoa. No meu caso, ainda não tenho certeza do que é, mas o que eu posso dizer é que minha vida vai ser sempre poesia, e, aonde quer que eu vá, não vou sozinha.


O que quer que eu faça, não irá ser grande - algo como salvar borboletas caídas na água, como fazia na infância - mas estarei alegre em simplesmente fazer parte desse jardim.






* Escrevi esse texto no Ensino Médio. Estava guardado em uma nuvem de arquivos antigos. Agora, voa por aí.

terça-feira, 30 de junho de 2015

Bolo de milho




De onde venho, o verão é seco e cinza, o inverno é molhado e verde, as casas são coloridas e espaçadas: uma aqui, campo, bois, outra ali, campo, milho, macaxeira, outra lá. Mas as pessoas vivem perto, bem perto umas das outras, sabe?

Pronto, agora vivemos na cidade grande. Vivemos em casas empilhadas. Uma torre de pessoas, como blocos daqueles de montar. E, até ontem, ainda não conhecíamos quase ninguém. Ainda.

É que o dia amanheceu junino. E o prédio também. De manhã, abrimos a porta, e o corredor estava cheio de bandeirinhas, mas vazio de gente. Foi o que disse para minha mãe. Ela só suspirou: é… E teve uma ideia brilhante, dourada: bolo de milho.

Escreveu um bilhete e colocou no mural da portaria: bolo de milho e café  no 203, às 18 horas, sejam bem-vindos!

Já sentia o gosto de festa na memória, dentro da cabeça; mais tarde, nas mãos, ajudando a preparar o bolo; depois nos olhos, espiando pela porta do forno; então pelo nariz, cheiro do milho assando e do café borbulhando; pelos ouvidos, ao som da chegada dos convidados de camisas quadriculadas e da folia dos matutinhos.

Maria Antônia e Carlinhos trouxeram tapioca de coco com leite condensado; Socorro, paçoquinha; Gabriel, pipoca com manteiga; Nina, canjica;  Miguel, suco de cajá e de açaí; Pedro e Aninha, bolo de macaxeira caramelada; Bia, queijo coalho; Marilda, milho cozinhado, Dona Cândida, munguzá; João e Carol, sorda… e por aí vai: uma dança de quadrilha, de gente e de pratos, rodando pra lá e pra cá.

Precisava ver a cara de susto do meu pai diante de tanta gente por metro quadrado. Foi direto para o quarto. Será que ficou brabo?

Ficou, não! Saiu de lá com um violão empoeirado na mão. Tocou, cantou, bonito que só! Nem tão afinado, mas com uma boniteza, assim, muito da particular.

Na sala, o bolo de milho, de gente, de café e de música. O bolo foi partindo, diminuindo, boa noite, aqui, boa noite, lá, muito obrigado, aqui, até mais, lá, cheiro, aqui, cheiro, lá. Até que sobrou só nós três e o sono. Dormimos cheios de milho, de cheiros e de mimos.

No domingo, acordei com o cheiro de chuva. E de canjica, talvez munguzá… de um outro bloco da pilha? Será?




sexta-feira, 3 de abril de 2015

Ninhos


Tem gente que acorda cedo para procurar o ninho;
Tem gente que acorda sorrindo na esperança de formar um ninho;
Tem gente que acorda com o ninho cheio;
Tem gente que acorda com o ninho vazio;
Tem gente que acorda fora do ninho;
Tem gente que acorda sem ninho;
Tem gente que acorda e prefere voar sozinho;

Mas Ele vem para reunir o bando de todo canto.

domingo, 1 de março de 2015

Água leve água


Já reparou como na água as coisas ficam mais leves?


Sempre achei o máximo conseguir carregar pessoas muito maiores e mais pesadas dentro da água. Jesus fala em água da vida e em fardo leve. Nele conseguimos carregar o que é impossível fora dele.

domingo, 22 de fevereiro de 2015

Das coisas mais lindas


adoção é uma das mais encantadoras, não?

Há cerca de um ano, conheci a história de um então aluno, que havia sido adotado. Ele, com seis anos, e seu irmão, com dezesseis, foram adotados por um casal. O irmão mais velho estava prestes a abrir mão da condição de serem adotados juntos, pois pensava que poderia estar atrasando a vida do irmão mais novo.

Esse casal, porém,  guardava no coração a vontade de adotar irmãos, e quando essa história chegou aos seus ouvidos, tomaram essa atitude de amor e coragem.

Nasceram pais e filhos, todos no mesmo dia.





Vede quão grande amor nos tem concedido o Pai, que fôssemos chamados filhos de Deus.

- 1 João 3:1