quinta-feira, 22 de agosto de 2013

A chuva que não cai

   
A cadeira de balanço embala o avô cansado, amolecido pelo calor da tarde de verão. Ao lado, o menino embala o peão que gira solto, sem sinal de tontura, privilégio restrito a um objeto, quando se trata de um dia abafado como esse. Aproveitando as mãos livres do brinquedo, por um instante, em um gesto lento, como o passar daquela tarde, limpa o suor do rosto. Em um profundo suspiro, exclama:

- Ah, como eu queria tomar um banho de chuva...

- É... nos últimos dias ela tá só subindo.

- Como assim? Que ideia é essa de chover pra cima?

- De onde você acha que vem a chuva? Toda essa água precisa subir até o céu, pra cair depois.

- Gotas refrescantes... Ah... que vontade...

- Vem, vamos regar o jardim.

Viram-se, então, gotas borbotando das mais variadas direções. Gotas de olhos que choram de tanto rir, vertendo meninice e vovozice, em uma tarde de verão. 

sábado, 10 de agosto de 2013

Quarenta Centavos de Graça


No morro das antenas, despertei cedo naquela manhã, para pegar um ônibus rumo ao aeroporto, e de lá voar para casa. Na parada, lembrei que havia gasto meus trocados em uma pizza entre amigos, na noite anterior. Contei as moedas da carteira. Faltavam alguns centavos. Além disso, apenas uma nota de cinqüenta reais. Olhei em volta, nada aberto naquela hora de sábado.

Chegou o ônibus. Entrei. Perguntei se o cobrador tinha troco para cinqüenta. Respondeu que não. Só tenho umas moedas... acho que não chega... eu... ahm...tentei explicar, encontrar um jeito de... É, faltam quarenta centavos, disse o cobrador, entre dentes cerrados.

Sem saber o que dizer, nem o que fazer, senti o rosto latejar de vergonha – quanto irresponsabilidade não ter pensado nisso antes.

Uma senhora, do banco preferencial, em um gesto discreto, estendeu o braço magro, com quarenta centavos. Perplexa, o coração apertado, tal palavra quase não passou pelo nó da minha garganta: obrigada. Ela sussurrou como uma brisa: Deus te abençoe. A ti também, ecoei e, em vez de sentar ao seu lado, perguntar seu nome e conversar, me acomodei em um banco do outro lado do corredor e comecei a remexer na mochila, procurando por alguma coisa que pudesse retribuir aqueles centavos. Uma caneta, talvez. Quando olhei para o lado, aquela senhora esguia, de cabelos brancos, saltou do banco e desceu do ônibus com agilidade de atleta. Acho que nunca vou saber seu nome. Para mim, ela se chama Graça.