quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Cúmplices


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- De que sabor vocês querem?
Silêncio
- Rúcula com tomate seco!
Risos
- Tá certo então. De que mais?
-Tanto faz.
- Estrogonofe.
- Essa é boa.
-Calabresa.
- Clássica!
- Sim! Sempre!
- Brócolis com catupiry.
- Não!
- Ta, então, ficou estrogonofe, calabresa e rúcula com tomate seco para ele ali.
- Claaaaro!
Risos.
- Será que o teu pai vai encomendar a de rúcula mesmo?
- Não, acho que não.
- Ele viu que era brincadeira.
- Vamos terminar de ver o filme.
-Ótimo, por sinal.
-Ah, para, é bom.
- Bom pra dormir.
- Shhh!
O brilho da televisão ilumina rostos atentos, risadas, e caras de sono, olhos fechados.
- A pizza chegou!
- Acorda!
- Ai que fome!
Aproximam-se da mesa.
Com um sorriso nos lábios, o engraçadinho murmura:
- Ah, não! Rúcula com tomate seco...
Risos contidos.
Sentam-se em volta das tão esperadas circunferências.
-Essa aqui é especial para ti.
O pai simpático alcança para o amigo do filho.
- Não, obrigado.
Recusa rindo, sem graça.
- Mas a gente encomendou especialmente pra ti.
- Pois é... ahm... Eu tava brincando...
Explica, vermelho como os tomates secos.
Silêncio constrangedor.
- Então ela vai comer tudo sozinha.
- Melhor! É muito boa essa pizza!
- Sério?
-Sim! Por isso que eu pedi.
Esclarece a irmã do amigo.
Risos. Gargalhadas também.
Anos depois da digestão daquela noite, encontram-se em uma pizzaria. Há tempo que não se viam. Ela, pelo visto, andou comendo muitas pizzas, está enorme. E, radiante. Enorme e radiante. Será que está grávida? Distraída, como sempre, nem nota que ele está ali. Sei que estou um pouco diferente, a barba crescida,a barriga também, mas não irreconhecível. O lugar está agitado. Rodízios são sempre agitados. Aproxima-se para dar um oi. Chega ao mesmo tempo em que o garçom anuncia:
- Rúcula com tomate seco!
Fitam-se. O sorriso com o canto direito da boca não nega: cúmplices. Cúmplices da mesma noite de filme, da mesma pizza, da mesma amizade. Cúmplices para a vida toda. Sim, para a vida toda.

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Trim !


O resultado está para sair. O resultado está para sair. Por mais que a vontade seja de engavetá-lo em sua mente, o pensamento permanece pairando por ali, voando baixinho, à espera do mínimo sinal – trim!- para se esticar e tomar conte de todo o espaço possível: O RESULTADO! Torna-se uma sirene vermelha, piscante, barulhenta e, ao que parece, eletrizada. O telefone toca com o mesmo trim de sempre, mas o efeito é o de um leve choque, forte o suficiente para que Sara pule do sofá e corra para atender.

Emília se mexe na cama. Ela também ouve o trim, não com o mesmo efeito. Desperta, apenas, de um leve sono. Volta a sentir-se exaurida de forças. Pensa em levantar, mas o corpo se perde entre o colchão e as cobertas, como um ursinho de pelúcia, incapaz de mover-se por conta própria. Fica ali. Um ouvido tocando o travesseiro, o outro ouvindo atentamente.

Um grito. Solavancos no andar de cima. Um susto no andar de baixo.

A senhora sente o corpo tremer. Um arrepio percorre a espinha. Precisa levantar. Ergue o corpo amolecido pela cama mais rápido do que supunha. Nem mesmo calça o chinelo de lã. Está decidida. Precisa verificar o que está acontecendo, e o mais rápido possível. Caminha em direção à porta, com o seu pijama de cerejinhas, presente da Nina. Aquele grito bem poderia ser dela, sua neta, ou de outra moça em apuros. Segue, a respiração é sonora, mas pouco eficiente. Precisa sair daquele quarto. Gira o trinco. Abre. A claridade do corredor perturba a visão.

A moça vinha escada a baixo. Era a Sara.

Encaram-se. Emília está pálida, Sara, radiante. Que alívio. A senhora sente um banho de água morna por dentro. O conforto derrete suas forças. Estica o braço para se segurar. A parede está mais longe do que o imaginado. Vai tombar. A moça corre ao seu encontro, e a segura. Obrigada – sussurra a senhora em seu ouvido. Um abraço demorado.

Há quanto tempo não era envolta por braços em vez de cobertas? Alegria. Sente o coração acelerado da jovenzinha. Mas, afinal, o que havia acontecido? Susto. Está tudo bem. Sara precisa contar a boa notícia. Emília precisa ouvir algo bom. E o que fez a moça pular e gritar transborda em palavras para os ouvidos amassados da vó Mia. Mas que coisa boa, menina! Lágrimas. Os olhos brilham mais uma vez. A última? Quem sabe. É a primeira que pulam juntas sem sair do chão.