domingo, 29 de dezembro de 2013

Petricor


- E como poderia se chamar esse cheiro de chuva, ou melhor, desse óleo de planta, derramado pela água, sorvido pelo chão, por entre as pedras, Isabel?

- Ah, pois é. Acho que todo mundo gosta desse cheiro. Podia ser Isabel.

- Ou Thomas!

- Isabelthomas.

- Thomasisabel.

- Soa estranho.

- Vaidoso.

- E se a gente juntar duas palavras do grego?

- Científico.

- Pedra e fluído eterno: petricor.

- Poético.

- Ciência é poesia, meu bem.


É, aquela tarefa foi muito além do primeiro ser humano. Dentre tantos nomes, perpassa gerações, perpassa o pó da terra e continua.


domingo, 22 de dezembro de 2013

A história de uma ovelha


Quando abri os olhos, só vi a escuridão da noite e o brilho distante das estrelas. Estava sozinha na relva. Todas as outras ovelhas haviam partido, e o pastor também - o que me gelou por dentro.

Mas que sono profundo era aquele! Não ouvi sinal algum de qualquer movimento. E todos partiram. E seu eu correr? Mas para onde? Enterrei a cabeça sob as patas. Tremi de frio, solidão e medo.

Ainda dormindo, querida? Disse a voz mais doce, a voz do pastor. Saltei. E ele me tomou em seus braços e sussurrou nos meus ouvidos: tive que voltar para te buscar, não poderia te deixar de fora dessa festa. Anjos cantando por toda parte. Nosso rei nasceu e em um lugar tão familiar para nós. Ele veio para nos salvar, ele se importa com cada um de nós.



E eu sabia bem o que era isso. No calor de sua voz, de suas palavras, de sua volta, assim me preparava para o inesquecível que estava por vir.


segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Noite em claro


Acordei com um barulho vindo da cozinha. Não tive coragem de espiar sozinha. Chamei minha irmã. Dessa vez vamos ver o Papai Noel! Pela fresta da porta -  a surpresa - em torno da mesa, reclinados sobre as bolachas, com os dedos repletos de confeitos coloridos: nossos pais, decorando doces. Que decepção! A mágica da manhã de Natal se desfez naquele instante. Desapontadas, voltamos para o quarto. Nos dias seguintes, a cada bolacha, já não sentia mais o gosto da fantasia, mas passei a ver a delicadeza e o amor do gesto de nossos pais.


domingo, 8 de dezembro de 2013

Antônio, Carlos e as estrelas





- Vem ver o céu!

- Já vou!

E Antônio revirou o quarto atrás daquela luneta. Quando achou, enfim, saiu de casa. Olhou para o céu. Nublado. E o cometa passou. Voando.

- Não acredito!

- Ah, uma hora dessas, passa outro.

- Daqui a dez mil anos, quer dizer?!

Antônio jogou a luneta no chão. A lente se esfacelou. Nem se despediu. E Carlos não se atreveu a dizer o quanto a visão do cometa tinha sido sensacional.

Na semana seguinte, chamou:

- Antônio, tive uma ideia! Estou pensando em...

- Tenho que ir.

Três dias depois:

- Preciso da tua ajuda, Antônio.

- Não posso.

Quinta à noite:

- Estou quase terminando, queria que tu desse uma olhada lá, Antônio.

- Ah, hoje não vai dar.

No domingo de Páscoa:

- Antônio, vem ver o céu!

Ele saiu correndo, sem luneta, sem chinelo.

- Uou!

- Bom, não sabia como consertar a luneta, e trazer o cometa de volta não tinha como. Aí resolvi construir um telescópio.

- Cara! Então era isso! Queria ter ajudado.

Olhos nublados de lágrimas.


E Antônio aprendeu a trazer o céu para perto dos amigos.

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Dentre tantos cantos do mundo



ressoa comigo
o canto desse avô.
Com suas palavras
roucas e sábias,
com sua voz,
com seu abraço

 – abrigo –

desfaz os nós
da minha garganta.
Desfaz o pranto.

Sorrio
nesse canto
que admiro
tanto.











*Em vez de o texto, depois de escrito, ser ilustrado, resolvi escrever a ilustração da Roberta Krüger.