segunda-feira, 21 de novembro de 2016

(Parênteses)

           

         
            
A vida é uma longa história (cheia de parênteses). De origem grega, a partir do verbo “inserir”, o parêntese tem vários significados na língua, na matemática e na vida. Se, na gramática, pode marcar um acréscimo que não é essencial para o sentido do enunciando, na matemática, acentua a prioridade das operações nele contidas. Nessas duas dimensões, língua e matemática, que se ocupam em contar (histórias, problemas, algarismos), os parênteses são funcionais, assim como nas conversas, na vida e na eternidade.

(Parênteses na conversa) um desvio passageiro, nem sempre ligeiro, do assunto, ou um desvio em função de uma urgência, de uma questão prioritária, ou então, de um acréscimo, de um comentário, de uma história.  Na conversa, compartilhamos histórias e, com os parênteses, inserimos uma história na outra história, assim, tecemos enredos de vida.

(Parênteses na vida) um momento de crise emocional, psíquica, espiritual, familiar, identitária, profissional, econômica, moral, política e de tantas ordens. Nessas crises, quando nos vemos dentro de parênteses – de um tempo-espaço de solução de problemas – podemos reconfigurar perspectivas. Esses parênteses podem ter um sentido mais matemático de priorizar certas operações antes de ir adiante nas contas, nas decisões, no escolher e no deixar para trás.

(Parênteses na eternidade) uma metáfora de vida que amplia nossa perspectiva para além do que podemos imaginar. Segundo Thomas Browne, o tempo de vida na terra é  “apenas um parêntese na eternidade”. Mais uma vez, um parêntese matemático, pois é o que temos para viver hoje, agora: pequeno, muito pequeno, mínimo diante do infinito, mas seu resultado altera o rumo da equação.  Jesus transforma completamente as operações do nosso pequeno parêntese, assim como o infinito que vem depois. 

segunda-feira, 14 de novembro de 2016

Inventário de medos

        

Medo de começar. Medo de terminar. Medo de fracassar. Medo de decepcionar. Medo de magoar. Medo da rejeição. Medo do esquecimento. Medo de sonhar demais. Medo de se expor demais. Medo de microfone. Medo de desagradar. Medo de perder o controle. Medo de estar no controle. Medo de dirigir. Medo de causar acidentes. Quantos medos estão escondidos no porão, bem no fundo do seu coração?

Quando criança, sonhei com Jesus. Ele apareceu em nossa casa e eu, sentada, virei para o outro lado e derrubei pedrinhas que estavam no canto da cadeira. Jesus se aproximou. Abaixou-se. Recolheu as pedras. Encontrou meus olhos com os seus. Devolveu as pedras, com um olhar de não tenha medo. Quantas vezes Ele diz isso na Bíblia? E no nosso coração? Não se trata de uma negação do medo, apesar da palavra não. Ele compreende nossa tendência de sentir medo, conhece o inventário de medos por inteiro e nos encoraja a não nos apegarmos a eles, a nos livrarmos deles, a nos libertarmos deles, a seguir adiante pela fé. 

Quem tem fé não tem medo (Isaías 28:16). A fé nos move. O medo nos paralisa. E se os medos entram pelas frestas do coração, não há nada que os impeça de derrubar a fé? No amor não há medo, antes o perfeito amor lança fora todo o medo (1 João 4:18). Logo, o perfeito Amor é capaz de arrancar medos e jogá-los fora feito inço, para abrir espaço. Sim, no Amor há perdas. Deixamos os medos para trás. Nos vasos de barro, Seu Reino germina. A fé, assim, floresce, e o Espírito frutifica. 



terça-feira, 1 de novembro de 2016

Ukulele

               

Dizem que o significado desse nome havaiano para o instrumento pode ser presente ou pulga saltitante. Para mim, tem a ver com o mar e com travessias. Explico. Meu primo conta que, quando Paul McCartney pegou seu ukulele, sabia que ele iria tocar “Something in the way she moves” e que era essa a música que gostaria de ouvir quando pedisse minha amiga de infância em namoro. Hoje são casados. A música segue, e eles também, movidos pelo Amor. E o ukulele foi usado como melodia de fundo desse passo adiante. Gostaria de ser assim como o ukulele, um instrumento para aproximar as pessoas umas das outras e de Deus.

Outro significado do ukulele vem de um seriado, sim, nem vou revelar detalhes para não estragar o final de quem ainda não assistiu. O instrumento marca a passagem de um luto, de uma perda, de finados sonhos, para um novo amor, um abrigo amarelo, iluminado.

Diante de um ukulele, meu sobrinho disse: “olha! Um violãozinho! Um ovo de Páscoa!”. Apelido que combina perfeitamente com o formato de um ukulele pineapple. Mais do que isso, combina com a ideia de vida nova, de passagem da morte para a vida em Cristo. Ideia que gostaria de tocar e cantar por aí sempre. Afinal, a questão não é ter um ukulele, mas ser um ukulele (presente) na vida das pessoas, embora, muitas vezes, sejamos meio desafinados e mais  parecidos com uma pulga saltitante mesmo.





domingo, 23 de outubro de 2016

Perfumes de infância

...e vivam em amor, como também Cristo nos amou e se entregou por nós como oferta e sacrifício de aroma agradável a Deus. Efésios 5:2


Quando menina, ganhei um perfume de que gostava muito, depois de colocá-lo, familiares começaram a dizer: “que perfume bom!”, “como está cheirosa!” e se aproximaram para sentir melhor. Diante disso, exclamei: “Ei! Parem de cheirar, se não vai acabar logo!”. Apesar da minha atitude egoísta e controladora, o perfume se espalhou pelos ares. Podemos até disfarçar alguns cheiros, mas, em geral, os aromas são incontroláveis e são percebidos por quem está próximo. Na Palavra, lemos: Mas graças a Deus, que sempre nos conduz vitoriosamente em Cristo e por nosso intermédio exala em todo lugar a fragrância do seu conhecimento; porque para Deus somos o aroma de Cristo entre os que estão sendo salvos e os que estão perecendo (2 Coríntios 2:14,15). E esse aroma de Cristo não pode ser guardado, escondido, tampouco vendido. É uma questão de ser.

Outro episódio perfumado da minha infância aconteceu com o perfume preferido da minha irmã. Ela havia esperado muito por aquele perfume. Quando eu percebi que estava acabando – ainda na metade – com medo do fim, resolvi ajudar. Em um gesto solidário, porém, totalmente ineficaz, completei com água. Agora o vidro estava cheio, mas não era mais perfume, era água com pingos de cheiro. E o que era para trazer alegria, gerou tristeza e raiva. Em Provérbios 27:9, diz assim: O óleo e o perfume alegram o coração, O mesmo fazem os doces conselhos dum amigo afetuoso. Logo, não adianta multiplicar alegria ou amizade com qualquer solvente, é uma questão de essência, de palavras, de conselhos, de afeto, de sabedoria, de amor. E como são agradáveis essas amizades com aroma de Cristo! Perfumam a infância e a vida inteira.
         
Amor sem fim, sem medo de gastar ou de acabar. Amor que transborda e perfuma até os confins da terra.


segunda-feira, 29 de agosto de 2016

Guarda-chuva de pedra

Pronto, lembrei de uma história de chuva: a do dia em que nossa família se abrigou em um guarda-chuva de pedra. Viajamos para uma cidade paraibana, Cabaceiras. Dizem que é o lugar onde menos chove no Brasil.  Já gravaram alguns filmes por lá, então a região é conhecida como a Roliúde Nordestina.


Nessa cidade, visitamos o lajedo do Pai Mateus, uma grande rocha por onde se  pode caminhar,  com pedras bem arredondadas e um tanto inclinadas - parece que vão sair rolando. Algumas dessas pedras são, em parte, ocas, formando pequenas cavernas, onde pessoas já se abrigaram e moraram.


Quando estávamos lá em cima do lajedo, apreciando a paisagem, uma nuvem carregada apareceu também. E choveu. Corremos para baixo de uma das pedras ocas: o nosso guarda-chuva de pedra. Lá de dentro, ouvimos os pingos de chuva tocando na rocha, ressoando; vimos o lajedo brilhar e a terra em volta se refrescar. Eita, quanta boniteza!

E há Quem seja como um guarda-chuva de pedra: abrigo sólido e sonoro diante de chuviscos ou de tempestades, forte e resistente em todas as estações.


Fotografia: Delmar Land

segunda-feira, 21 de março de 2016

Sobre esses ares de eternidade




Quando não é só mais um segundo, um dia, uma estação.

Quando uma flor é um jardim inteiro.

Quando um olhar brilha o universo.

Quando um abraço é lar, acolhe uma história de muitas milhas, uma jornada, um viajante, um forasteiro, um refugiado.

Quando uma música ilumina um canto da alma.

Quando um sorriso pula de um rosto para o outro, feito amarelinha ou frescobol, leve e refrescante.

Quando um sonho voa e outro pousa.

Quando o perdão faz germinar reconciliação, salvação e gratidão.

Quando a paz é mais que uma palavra.


Quando a verdade é.





domingo, 28 de fevereiro de 2016

Entre fios e pipas


Quando, feito pipa, voamos para longe de grandes amigos, sem cortar laços,  a amizade é uma linha fina, delicada, transparente que não nos prende ao chão, mas nos faz girar pelo ar, colorir o céu à distância. Contornos de saudades. Um puxa um papo daqui, outro de lá. Lembranças  de cores vivas pairam sobre nossas cabeças, tiram nossos olhos do chão e os conduzem para o céu.

Com o sopro da gratidão, voam.  Amizades de longo tempo, de longa distância.

Às vezes, nos perdemos de vista, ainda que continuemos  pairando na mesma direção.

O reencontro é belo, como um novo presente: uma pipa a se renovar no horizonte, com as cores da estação.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

Cozinha


Um lugar de espera, de preparação, de sabor, de sabedoria, de tempos e tempos, de temperar, de servir, de amar. A vida é uma grande cozinha.

O livro de receitas do Menino Maluquinho foi minha primeira aquisição, quando recebi minha primeira mesada. Sempre fui maluquinha por cozinha. Não cheguei a usar uma panela na cabeça, mas gostava de sentar na pia, para mexer no fogão e conversar. Na cabeça, gosto mesmo é de guardar e reinventar receitas e recordações.
          
Na cozinha, aprendi a me preparar: para recomeços, ao a lavar a louça; para o Natal, com bolachas coloridas; para celebrar aniversários, com tortas de bolacha e docinhos; para um novo dia, com café da manhã; para prosear, com chimarrão - aquecer a água, o papo e o coração - ouvir histórias, conversar, decidir, rir; para serenar, com um chá de cidreira ou hortelã. 

Em volta da mesa, a vida dá tantas volta, não é mesmo?



domingo, 10 de janeiro de 2016

Sentidos






O sentido da árvore
É para o céu
Crescer

O sentido do rio
É para o mar
Verter

O sentido de nós
É para Deus
Viver

E nEle
Amar, servir, adorar



terça-feira, 5 de janeiro de 2016

Bandas do mar






Amar, por vezes, é contemplar o mar de longe, em terra seca. Depois, na areia, mais de perto se deixar tocar pela maresia. Decidir entrar. É usufruir das ondas do  convívio, do cotidiano.

E é coragem de mergulhar em alguém e vislumbrar corais que compõem a arquitetura, a sinfonia de seu interior. É se reconhecer ali. Vez ou outra, uma surpresa. Encontrar pérolas. Sorrir diante do arranjo singular. É sempre voltar para a superfície e decidir, mais uma vez, encarar as ondas e mergulhar - ouvir as bandas do mar.

Abrigo, alívio, compreensão.

Amar em superfície e em profundidade: um oceano de encontros.